Ao longo destes 7 anos, pensei, pesquisei, refleti, sonhei, mudei de ideias, fiquei deprimida, fiquei feliz, um milhão de vezes!
Já vi tudo muito negro, tive dias de dor, uma dor insuportável, que me dilacerava por dentro e fazia o meu coração sangrar, ainda hoje não sei como me consegui levantar, uma, outra e outra vez mas, não sei bem quando, num dia qualquer, acabei por aceitar a difícil situação do Afonso, o que me permitiu chegar onde estou hoje, a um sítio, onde nunca pensei chegar, ser uma pessoa que nunca pensei ser.
Neste meu caminho, nesta transformação profunda do meu ser, aprendi muito e tornei-me, em alguns aspetos, uma pessoa, ia escrever melhor mas, na realidade, não sei se sou melhor do que era, acho que sou apenas diferente, melhor em alguns aspetos e pior noutros, simplesmente acho que consegui sobreviver e quem sabe consiga, agora, começar a viver!
A reabilitação e a inclusão do Afonso sempre foram a minha primeira grande prioridade!
Ficava deprimida se faltava a uma terapia, se não cumprisse o trabalho em casa, se não fosse à escola, sentia-me culpada de tudo e de nada, questionava uma e outra vez, tudo e todos, queria perceber, queria que todos lutassem pelo meu filho como eu, que todos o aceitassem, de qualquer maneira, que cumprissem a lei, que respeitassem os seus direitos e não, não entendia, quando não o tratavam com respeito, quando o consideravam um caso difícil, pesado.
Houve muitas situações, em que infelizmente tinha toda a razão do Mundo e outras em que não tinha razão nenhuma, mas que só agora, ou muito recentemente, é que estou preparada para o aceitar, o que me leva ao momento presente e me permite um melhor e maior conhecimento de mim.
Antes do Afonso nascer era uma pessoa apaixonada pelo meu trabalho, impulsiva, que gostava de conversar, de ter amigos, de sair, de receber, de fazer festas...
Depois do Afonso, deixei de trabalhar (o que muitos acham um privilégio mas que eu não desejo a ninguém, seja porque razão for, muito menos pela minha), continuei a seu impulsiva mas agora muito mais emocional, costumo dizer que entre a normalidade e a loucura, está um fio ténue, muito ténue, tornei-me uma pessoa com humor flutuante, tão depressa estou bem, como estou mal, ainda gosto de conversar mas cada vez menos e se os meus amigos não me procurarem eu também não os procuro (que grande amiga que eu sou,), se puder evitar ir a uma festa ou fazer uma, evito, prefiro ficar em casa do que sair, gosto de estar sozinha, de ler, de me isolar e sobretudo, adoro passar o tempo com os meus filhos.
Ser mãe a tempo inteiro e eu já era uma mãe muito presente, foi o melhor que me aconteceu. Apesar de todos os desesperos porque passei, construí uma relação sólida, de amor profundo e incondicional com os meus três filhos!
Vi crescer a Catarina e o Afonso e acompanhei a adolescência do Guilherme, sempre perto muito perto. Acompanhei a escola, os trabalhos de casas, as brincadeiras, as músicas e as bandas preferidas, as séries de televisão, os filmes, os concertos e os nossos momentos de férias (estes sim verdadeiro privilégio de quem não trabalha). Hoje sou uma mãe que também é amiga que acompanha os gostos deles e os acompanha, se tenho um espírito jovem, se acompanho as evoluções tecnológicas, as tendências musicais, a eles o devo, uma vez que me "obrigaram" a evoluir, a estar atenta, a ser participativa nas suas vidas!
Com o Guilherme a estudar para entrar no mundo do trabalho, a Catarina no secundário é a entrada do Afonso no ensino básico, que vem abalar as minhas estruturas e pensamentos, que fui construindo ao longo dos últimos anos e é curioso como, também sem me aperceber, fui mudando, não só as atitudes como o pensamento acerca da inclusão e da escola inclusiva.
Já fui elogiada pela naturalidade com que encaro as dificuldades do Afonso, como a família encara, a disponibilidade total que os irmãos dedicam ao Afonso mas como já escrevi há algum tempo atrás se a família não aceita, se estamos sempre à espera do milagre, da exceção, que conosco correrá de forma diferente, como podem os outros aceitar?
A inclusão do Afonso foi para mim sempre motivo de muitas lutas, de muitos nervos, de muita ansiedade, de muitas lágrimas e de muitas noites sem dormir.
Hoje encaro a inclusão de forma, quase, totalmente contrária e possivelmente bastante controversa em relação ao que encarava e possivelmente ao que outros pais pensam.
Era a favor da inclusão "pura e dura" como costumava dizer: nem pensar em colocar o Afonso numa unidade de multidificiência, aliás nunca fui a favor das unidades, o Afonso devia frequentar a escola como todos os meninos sem necessidades especiais, deviam ser criadas estruturas e as condições necessárias que promovessem a inclusão para que todas as crianças, independentemente da gravidade da sua situação, pudessem beneficiar do convívio com os seus pares e a reabilitação deveria continuar a ser uma das nossas prioridades.
Agora que preparamos o ingresso do Afonso no ensino básico, vejo de forma diferenciada as reflexões que tenho vindo a fazer, ao longo dos anos, especialmente ao longo dos últimos meses.
Comecei por pensar na escola pública com horário reduzido, para que o Afonso pudesse manter as terapias, pois fui logo informada que não estando na Unidade, o Afonso não tinha prioridade nem apoios.
O que é uma Unidade?
Em teoria uma sala de apoio com professora de ensino especial, com duas assistentes operacionais e um equipa de terapeutas que deverão apoiar as crianças durante o horário escolar, na sala de aula e na unidade.
O que eu conheço e do que tenho ouvido falar as crianças com situações mais graves, normalmente crianças com dificuldades motoras e cognitivas, são as crianças que são colocadas na unidade e raramente ou nunca vão à sala de aula. Conheço casos em que o adiamento não foi concedido e as crianças transitaram para o 1º ano, o que não entendo uma vez que, na minha opinião, beneficiariam muito mais em conviver com 19 colegas na sala do que com 5, porque o trabalho a desenvolver será trabalho de jardim de infância.
Estas crianças, a ser verdade, que estão assim tão afectadas a nível das capacidades de aprendizagem, não estariam melhor numa escola mais direcionada para a sua problemática?
(e que em Portugal deixaram praticamente de existir?)
E as crianças que não tem problemas motores mas tem problemas de aprendizagem ou que tem problemas motores e não tem problemas de aprendizagem não deveriam ter o apoio da unidade?
Depois de conhecer dois projeto de escolas inclusivas e de ouvir, num deles, que só aceitavam crianças com necessidade especiais se tivessem as condições necessárias, dei por mim a perguntar também no outro se tinham condições para aceitar o Afonso. Pergunta que nunca me imaginei a fazer, nem me imaginei a ouvir, sem ter vontade de sair porta fora e nunca mais voltar!
Contudo a grande verdade é que não quero o Afonso numa escola onde não o querem ou que não tem as condições necessárias para o aceitar.
Quero o Afonso incluído mas não a qualquer custo, só porque ele tem direito ou porque não quero que seja discriminado, quero que frequente uma escola onde sabem que lhe podem dar o acompanhamento necessário, onde ele se sinta motivado e contrariamente ao que eu pensava, onde o ensino seja a prioridade e as terapias complemento.
Quero que seja criança, que nós sejamos família, quero chegar a casa ao fim da tarde, sem trabalhos de casa para fazer, sem ter que ir ainda para as terapias, quero fins de semanas com passeios, cinema, visitas a museus ou simplesmente em casa sem fazer nada.
A dita normalidade existe, porque a maioria de nós, felizmente, não tem dificuldades que nos impeçam de sermos autónomos mas ser dependente não tem que necessariamente nos retirar essa normalidade, cabe a nós, pais, aceitar a diferença, a deficiência, as limitações e as reais capacidades dos nossos filhos e mesmo que nunca venham a atingir tudo o que lhes desejamos, temos que ter a capacidade de os amar de forma incondicional e de lhes proporcionar tudo o que os faça felizes, porque se eles forem felizes, nos também somos!