Em meados de 1950 verificou-se que os métodos utilizados para a reabilitação das crianças, os quais eram considerados os mais avançados procedimentos nesta área, estavam sendo ineficazes e os progressos observados não satisfaziam a expectativa da equipe.
Foi então que, através de longas horas e calorosas discussões entre os profissionais integrantes da equipe, chegou-se a um ponto comum: todos os métodos utilizados até então tratavam a criança do pescoço pra baixo, sendo que, em realidade, seu problema encontrava-se do pescoço para cima- a lesão cerebral.
Na busca de um caminho, procuraram compreender o desenvolvimento normal do processo de andar e falar, já que era exactamente o que a grande maioria das crianças com a qual trabalhavam não faziam.
Partiram, então, para a observação dos bebés e suas aquisições. O que encontraram fascinava-os: o itinerário seguido pelo bebê não comportava a mínima variante, não existiam desvios e todas as crianças sadias percorriam o mesmo caminho. Enquanto recém-nascido o bebê mexe os membros e o corpo, porém sem mobilidade. No segundo estágio, com o ventre no chão, move-se do ponto A ao ponto B rastejando. Para o estágio seguinte, aprendendo a dominar a gravidade e sustentando o próprio corpo sobre as mãos e joelhos, erguendo de maneira alternada e cruzada os membros, dá-se o engatinhar. E por fim, obtendo o equilibro suficiente, a sustentação do corpo sobre as pernas, tornozelos e pés, bem como a coordenação e articulação destes, obtém-se o andar.
Ou seja, a criança que permanecia deitada no leito, ou mesmo que conseguia arrastar-se pelo chão, precisaria amadurecer as etapas anteriores antes de conseguir ficar de pé e caminhar.
Por outro lado, ficou notável que caso algum destes estágios fosse abreviado ou mesmo saltado observariam-se conseqüências adversas, tais como coordenação deficiente, a incapacidade para tornar-se inteiramente destro ou canhoto, a impossibilidade de desenvolver dominância hemisférica normal em relação à fala, a inaptidão para ler e para soletrar, etc. E, desta maneira, pode-se constatar que era através do rastejar e do engatinhar em padrão cruzado que os hemisférios cerebrais aprendiam a trabalhar juntos.
E mais, para que estas oportunidades fossem oferecidas às crianças do Centro se fazia necessário levá-las ao chão. Conclui-se, então, que é neste plano que são oferecidas oportunidades para um desenvolvimento normal.
“A ordem na qual os estágios neurológicos acontecem, está de acordo com os diferentes níveis de desenvolvimento cerebral. O desenvolvimento destes estágios com relação ao tempo é variável e depende não só de fatores genéticos, mas sim de freqüência, intensidade e duração dos estímulos enviados ao cérebro pelo meio ambiente, sendo a família fator vital”.
(citação da equipe do Centro de Reabilitação Nossa Senhora da Glória - Instituto Veras-RJ, em seu site)
Quanto ao trabalho desempenhado pelos Institutos, afirma Doman (1989):
“Tudo o que fazemos nos Institutos para o Desenvolvimento do Potencial Humano é proporcionar à criança estimulação visual, auditiva, táctil, com mais freqüência, maior intensidade e maior duração, assim como oferecer-lhe oportunidades ilimitadas de exercitar suas funções em perfeita consonância com o modo ordenado como cresce o cérebro”. (p.232)
O Perfil de Desenvolvimento Neurológico
O Perfil Neurológico é um instrumento elaborado e utilizado pelos Institutos para as avaliações e o planejamento das atividades a serem realizadas com o objetivo de alcançar o estágio superior àquele em que se encontra o desenvolvimento da criança. Tal instrumento divide o processo de aquisição das várias funções em sete estágios que, no processo normal de um cérebro não lesionado, tem origem a partir do nascimento e se estende, aproximadamente, até os 6 anos de idade.
Dentre as funções a serem desenvolvidas, tratadas por Doman como inteligências, estão a capacidade visual, a capacidade auditiva, a capacidade táctil, a mobilidade, a linguagem e a capacidade de manuseio de pequenos objetos (coordenação motora fina).
Cabe salientar que Doman faz diferenciação entre três classes de crianças com acometimentos de nível cerebral, sendo que acredita ter encontrado auxílio apenas para aquelas que tiveram lesão cerebral.
Com o intuito de esclarecer descreve: a criança de cérebro deficiente é aquela que, em sua concepção, não desenvolve as proporções normais do órgão, e ele permanece de maneira atrofiada e “ressequida”. A criança psicótica tem o cérebro “geograficamente” normal, porém, com o funcionamento anormal. Já a criança de cérebro lesado é aquela que tem a informação perfeita sobre a constituição do órgão mas que, por alguma razão, na sua concepção, durante o nascimento, ou mesmo de forma acidental ao longo da vida, implanta algum tipo de ferimento à ele.
“Se o leitor pudesse contemplar na sala de operação um cérebro lesado, veria um cérebro de qualidade normal (…) O que há de fundamental é que se trata de um ´cérebro de boa qualidade`, mas lesionado. Pode ter uma lesão grave, ou leve (…), não um cérebro de qualidade inferior.” (DOMAN, 1989; p.263)
A Reorganização Neurológica através da plasticidade cerebral
Ao nascer, o cérebro humano pode ser comparado a uma floresta hipertrofiada de 100 bilhões de neurônios, que são as células nervosas, com milhões de boas conexões aguardando a designação a uma tarefa específica. As várias células e redes neuronais empenham-se na captação dos estímulos que chegam até elas através das vias receptoras e é, justamente, a qualidade, a intensidade e a freqüência das informações enviadas que moldam o órgão e determinam seu funcionamento ainda nos primeiros anos de idade.
É na interação com o meio que a criança aprende a emitir respostas e, neste processo, muitas das conexões são recrutadas para executar serviços específicos, tais como: ver, balbuciar, recordar, arremessar uma bola, etc.
Neste processo de construção, as conexões que não são utilizadas neste período acabam sendo desligadas para sempre. Porém, sendo o cérebro um ecossistema dinâmico, em meio a um ambiente capaz de oferecer-lhe uma dieta rica de informações, tem-se a possibilidade de germinar novas sinapses neurais, constituindo-se, assim, novas ramificações e conexões nervosas. Este novo caminho vai sendo fortalecido à medida que os estímulos enviados seguem com freqüência, intensidade e duração, aumentando o potencial excitatório das células.
Aquilo que na década de 60 Doman chamou de Reorganização Neurológica, ou seja, atribuir a outras áreas sadias a função daquelas lesionadas, a neurociência atual nomeia plasticidade. E para isto torna-se imprescindível oferecer-se um ambiente ricamente neurológico, com estímulos que promovam o restabelecimento integral das funções afetadas.
O papel da família na recuperação da criança com cérebro lesado
Conforme visto anteriormente, é justamente um ambiente rico em estímulos e a intensidade, freqüência e duração dos mesmos os responsáveis pela Reorganização Neurológica do cérebro lesado. Neste contexto, é imprescindível a participação e a dedicação dos pais, já que é, em geral, através desta relação que a criança recebe os estímulos e a motivação para o trabalho.
Por outro lado, como enfatiza a equipe do Dr. Veras, “são eles que passam a maior parte do dia, da semana, do ano, e de suas vidas com seus filhos, são eles que amam seus filhos acima de qualquer coisa” e que são capazes de apostar, mesmo quando todos os diagnósticos e prognósticos médicos não se mostram favoráveis, a fim de verificar as reais limitações de seus filhos bem como suas potencialidades.
É este amor e dedicação aos filhos que torna a participação dos pais peça fundamental neste trabalho. Disciplina, persistência, motivação e esperança são fundamentais aos pais e às crianças que buscam a Reorganização. Lembrando-se que para o cérebro não há final de semana e nem, tampouco, feriados. O trabalho é árduo, porém compensador!
Informação retirada de: www.escolacharlotte.com.br
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