«Foi abrindo as janelas da minha mente para ventilar a memória; foi revirando os avessos dentro das minhas gavetas, que eu consegui reencontrar antigas escolhas, que antes traduziam sonhos, e hoje se definem como algo incompatível com a realidade. Não, eu não deixei de sonhar. E não me entreguei ao mundo por que aqui dentro falta a esperança. Esperança é o mais abstrato dos termos e o único capaz de desconstruir nossas incertezas. Esperança é o que mantém de pé. E eu tenho esperança – ainda que às vezes ela se atrase. É que antes eu sonhava com uma felicidade, inocente, quase infantil, projetada fora, nos limites impenetráveis do outro – que também inocente, sonhava em creditar a sua felicidade em alguém. Não que a felicidade compartilhada seja impossível. Porque não é! Compartilhar é o primeiro pressuposto para se alcançar parte significativa do conceito de reciprocidade… O problema é a mão que aceita e como a gente entrega. É a inevitável dependência que se estabelece, e como tudo se transforma dentro de nós.
Hoje, ao contrário de ontem, quando olho através do tempo compreendo tudo de outro jeito. Acho que eu cresci e deixei a inocência perdida no fundo da gaveta. Ou talvez a vida, usando as suas armadilhas engenhosas, tenha conseguido me transformar. Porque é assim que a vida faz: Transforma essências suaves em ventania, só para moldar o nosso entendimento. Para forçar uma compreensão, quase incontestável, de que algumas coisas são intangíveis e imutáveis. Outras, complexas e incorrigíveis. Outras tantas – a maioria delas – desnecessárias e contraproducentes. E, algumas vezes, fica difícil mudar a rota quando ela é determinada por aquilo que conhecemos como destino. Mas ainda assim mudamos. Inevitavelmente, nós mudamos! Sobretudo, quando compreendemos que o amanhã é sempre o outro dia que vem, logo após o tempo presente. E ingênuo é aquele que acredita – e confia – nessa imutabilidade, esquecendo que o que traduz a vida é o conceito de transitoriedade.
Pois é… Quando aprendemos sobre o valor das transformações, é que desenvolvemos a habilidade de mudar os versos, para escrevermos um novo trecho da nossa história. Quando abrimos a janela, que descobrimos que a vida oferece em cada amanhecer, uma nova oportunidade de ser. E o baú da memória? É o lugar onde guardamos os nossos incontáveis recomeços… Foi assim que eu entendi que o meu peso diante da vida está naquilo que eu carrego dentro do meu peito: O maior amor do mundo! E o que dimensiona a minha essência é como eu lido com ele. De que adianta o conteúdo sem a destreza necessária para transformar tudo mais em alegria? Para entender o amor em mim, basta olhar para dentro do meu sorriso.
Agora, voltando ao início; ao tempo dos avessos dentro das minhas gavetas, vejo que a vida me moldou e mudou a direção das minhas certezas. Mas, ainda assim, apesar da insistência, ela não conseguiu transformar a minha essência. Não do jeito que pretendia… Porque contrariando as circunstâncias todas, eu continuo sorrindo. E sorrio por que a minha felicidade é independente.»
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